sábado, 17 de outubro de 2009

Absurdo

Tive estranhos sonhos esta noite. Bem, esta manhã, porque é justo antes de acordar, quando a consciência se vai esquivando do negro manto, que vêm as imagens. Isto, ou assim que adormeço. Acontece quando estou cansada, como ontem à noite, mas nunca o recordo.
De manhã não. É tudo muito nítido. Absurdamente nítido.
Começou na minha antiga escola. Não faço ideia o que lá fazia. Era de tarde e eu tinha de me apressar para apanhar o autocarro para o liceu porque ainda tinha uma aula. Piscinas. Às seis da tarde! Bem, não apanhei coisa nenhuma. Cruzei-me com antigos professores e a de Educação Física, que por algum motivo parecia a deste ano, convidou-me a entrar não sei onde, ver não sei o quê. A última coisa que recordo foi de ser deixada na casa de banho. Mas se acham estranho, ainda agora começou.
Na cena seguinte, por assim dizer, eu estava no meio do mar. Uma extensa porção de azul que não podia ver onde acabava. Mas, ridiculamente, eu tinha pé. E mais absurdo ainda, passaram por mim alguns dos autocarros que todos os dias apanho. Com o nome exacto do destino quando venho do liceu para casa. Creio ainda que tive de fugir para não ser atropelada. E lembro ainda que a certa altura, antes ou depois não sei, me vieram à cabeça cenas do Titanic, da parte em que o navio começa a afundar e se estabelece quem tem o direito de ocupar os botes. Mas então também essas imagens se foram.
No final, eu estava em Espanha, num sítio que nunca vi e que bem poderia ser um jardim. Fiquei com a impressão de que o chão era verde. Sabia que viera de autocarro com a família. E eram três autocarros. O último vinha vazio, à excepção do caixão que parecia enorme ocupando o seu centro. Estava aberto. De algum lado onde estava, dentro de um veículo, levantei-me para espreitar mas tudo o que vi foi o lençol branco. Perguntei porque não o haviam trazido num carro funerário. Acho que a resposta envolvia os custos. Enfim saí e a minha mãe lá me fez cumprimentar primos e tios, poucos deles me eram familiares, alguns pareciam recuar. Devia estar mesmo com má cara. Sei que não vi a minha avó e isso teria feito sentido. Iríamos enterrá-lo de novo, em Espanha. E de novo o ridículo é que se supunha, eu pelo menos, que ele não iria ficar lá. Afinal, pensava, a minha avó nunca iria permitir que estivesse longe. No final de tudo, antes de acordar, eu recordo que estava próxima ao caixão. Relembrava a face gelada da primeira vez, e só dizia para mim que não queria ver o rosto do jeito que estava agora.
E foi isto. Não pesou no peito, não, foi um sonho como outros. Só que incrivelmente absurdo. Sei como é um reflexo tortuoso do meu inferior, sei que o absurdo de alguma forma faz sentido. Sei que tudo isto tem um significado. Mas como não tenho Freud para me elucidar, parece que a minha próxima paragem é o Dicionário de Sonhos que está na sala.

Autocarro: pressupõe uma mudança na nossa vida em que também estão implicadas directa ou indirectamente outras pessoas.
Enterro: é sinal de que vamos sair de uma situação na qual estávamos contrariados e que nos libertaremos da nossa tristeza e dos nossos infortúnios. Avizinham-se períodos de felicidade e de estabilidade.

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