quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Regresso

7:49
Acabei de sair de São Salvador – para as mentes menos informadas, a aldeiazinha do norte de Portugal a que carinhosamente apelidei de fim do mundo. Inicio a viagem de volta ao meu adorável Algarve. Só lá devo chegar a meio da tarde. Mas para a despedida, há memórias que ficam. Os galos cantando pela madrugada, nunca antes os ouvira em toda esta semana; várias gargantas num eco dissonante a saudarem o novo dia. A brisa fresca rompendo o torpor de uma má disposição crescente, ainda nem eu entrei no carro. As malas descendo até ao carro, deixando a casa vazia como se ninguém lá habitasse. A porta da entrada fechando sob a minha mão como um livro cuja história acabou, sem tristeza nem nostalgia, talvez até com algum alívio. Os sacos sendo carregados, enfiados onde ainda há espaço: batatas, cebolas, nozes, alguma fruta; pedaços deste mundo que se dão e se levam quando nada mais pode vir. As lágrimas nos olhos de uma mãe que fica e de um filho que parte, brotando a saudade nesta distância que cresce, florescendo por meses, quiçá anos, até um novo reencontro. O carro que por fim corre as suas de outro século, cruzando casas de outros tempos em que subsistem gentes deste; e ei-las no velho banco da paragem esperando o autocarro que já lá vem; é vermelho e moderno, não encaixa nas paredes de pedra e na calçada irregular; talvez por isso não suba e se fique pela boca da aldeia onde a estrada é alcatroada e as casas de tijolo e pintura branca, como as nossas. E continua o carro, galgando os quilómetros nas curvas e contra curvas deste relevo acidentado. A paisagem de agricultura em socalcos é uma imagem que ficaria bem no meu antigo livro de geografia. O ar entra pela janela, o meu estômago está vazio, mas um subtil enjoo prospera. Suponho que esta seja a altura para uma pausa.

8:27
Lembrei-me de uma coisa: eu não olhei para trás. Toda esta história de despedida traz consigo um certo déjà vu e eu recordo-me que, há três anos, enquanto o carro se afastava da casa do meu tio onde sempre ficamos, eu olhei para trás, como que para gravar essa última imagem. Mas não creio que precise de mais. Na imortalidade deste canto do mundo, qualquer antiga memória se funde com as mais recentes num quadro prefeito porque lá nada parece mudar.

10:31
Saio agora da Guarda. Aqui parámos para o pequeno-almoço. Estava enjoadíssima. Agora estou um pouco melhor. As estradas onduladas ao sabor das montanhas ficaram para trás. Não dormi como gostaria mas, tendo em consideração que, quando abri os olhos em frente ao café, me apercebi que a música no iPod acabara sem que me desse conta, deveria estar já a roçar a inconsciência e sem dúvida que adormeceria se não tivéssemos parado. O sol banha-me de calor, é um verdadeiro incómodo. Gracejo a frescura e escuridão dos dois túneis pelos quais acabámos de passar, mas, e ora vejam a ironia da expressão, foi sol de pouca dura. Apetecia-me ler mas não só não me é aconselhável como a estrada é tão boa que sinto o carro aos solavancos e seria impossível ler com as letras aos pulos. Talvez agora com o comprimido para o enjoo devesse tentar dormir mas passou-me a vontade, o que é uma pena. O tempo passa mais depressa quando não estamos conscientes de cada movimento do relógio.

19:40
Estou em casa há mais de duas horas. Era suposto ter escrito mais qualquer coisa pelo caminho, mas depois de ter parado em Évora para almoçar não mais me senti enjoada ou a sufocar. Vim o resto do percurso a ler. Enfim, deu-me a preguiça para a escrita e agora que aqui estou, computador já ligado, sinto-me simplesmente bem. Em casa.

PS: Quando à foto do casamento, ponho-a quando me chegar às mãos. Tudo depende da rapidez com que trabalham os fotógrafos no norte deste nosso país de nome Portugal.

1 comentário:

Rafaela Neves disse...

keixavas.te do enjou k sentiste no carro acredita em mim kuando te digo k nao e nada comparado aos bancos duros de pedra e aos sulavancos redobrados do autocarro em k vim!