domingo, 19 de setembro de 2010

Cruzar a linha

Não olhes ao relógio. Não importa. Só importa a necessidade dos fortes de espírito e corajosos de coração. Não interessa que mal possa olhar o ecrã. Que chorem os olhos se for preciso. Hoje eu tenho de escrever. Tenho desesperadamente de escrever. Algo, não importa o quê.

Preciso de gravar da rocha do tempo este momento.

Amanhã, por esta hora, por horas antes, já nada será igual.

Fecha os olhos. Deixa que os dedos corram o teclado sozinho. Hoje as palavras saem de forma diferente, como se soubesse que não têm muito tempo para dizer o que têm a dizer.

Hoje sinto uma nostalgia embrulhada em expectativa e temperada com um agradável optimismo. Esta noite os olhos doem mas as lágrimas que se avizinham são mais que visão cansada, são antecipação e são orgulho, são sobretudo felicidade.

O percurso foi longo e este caminho é novo. Mas as setas sempre indicam em frente. Assim é a vida, como uma viagem de carro, onde tudo depende da companhia e da estrada. Mas a magia é que uma boa companhia pode tornar boa uma viagem na pior da estradas.

Não sinto que amanhã viaje sozinha. E isso faz-me sorrir.

De entre todos os medos, sobressai o desejo de viver. Derrubar as suposições e construir a verdade. Actuar sobre a matéria em bruto da própria vida. Avançar em frente, tão em frente que o passo assusta os fracos de espírito e temerosos de coração. Mas não hoje. Não durante as longas vinte e quatro horas desde domingo das quais já conto três. Não durante as vinte e quatro de amanhã.

Quero fazer isto e quero fazê-lo bem. Não são muitas as oportunidades que temos para construir uma nova realidade. Pegar no papel e caneta e desenhar o futuro. Moldar a massa de que somos feitos, rasgando cobertura atrás de cobertura, expondo com primor aquele interior que outrora obrigámos os outros a escavar.

Sinto-me destemida. E considero-me capaz. Sei de mim mais do que a maioria dos que me olham sem ver. Sei do desejo que mora cá dentro, aguardando em estado de ebulição, ávido por reclamar independência, sedento de novidade. Em breve será satisfeito.

Queria guardar este sentimento de determinação para mais logo. Vou precisar.

Já não ardem ou lacrimejam os olhos. Habituaram-se à luz. Como tudo na humanidade, nós regemo-nos pela única lei da perpétua habituação. Mais moldáveis que areia. Somos criaturas de hábitos. Mas, abençoados sejamos, somos seres com esta capacidade incrível de adaptação. E por isso vai estar tudo bem.

Daqui vinte horas darei notícias, do outro lado de Portugal. Ou quase. As distâncias são uma coisa tão relativa. E o que angustia não é não ver certa pessoa durante duas semanas. Não, é simplesmente o facto de sabê-la tão longe que não a podemos ver imediatamente se assim o quisermos. Mas, hei, as novas tecnologias são uma coisa extraordinária. E os serviços de conversação gratuita.

Não sei como acabar isto. Acho que não quero acabar isto. Já nem sei como comecei. Ah, o relógio. Já se passaram cerca vinte minutos entretanto. Mas o tempo também é uma coisa muito relativa.

Devia ir dormir. Vou. Devagar...

Até breve, muito breve.


Guarda-me pertinho do coração, pensa que estou na porta ao lado, e dentro de duas semanas estarei. <3

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