O sofrimento, a dor são, para mim, um mistério tão grande como a morte. Por vezes físico, por vezes mais do que isso. Às vezes localizado ao centímetro, outras de origem tão incerta que chegamos a duvidar se está dentro de nós, ou se estamos nós dentro dele. Há todo esse enigma: porque dói, como dói… É verdade que médicos, cientistas e afins avançaram respostas para quase todas as dores, mas a que mais nos afecta continua por explicar. Dor de coração – um coração que não bombeia sangue, mas vida e emoções –: dor de alma, essa entidade que se diz existir dentro de nós, que comanda a consciência, que é vítima da rebeldia dos sentimentos, do amor e do ódio, e que sente, que sofre e que está ligada ao corpo, porque a dor é física. Provas e teorias à parte, é assim que penso. Religiosidade de fora, porque a lógica basta para lhe dar sentido.
Mas porquê isto? Porquê o mistério do sofrimento, e do seu reflexo: a dor – cada qual pertencendo à sua esfera, à dualidade que existe em nós: alma e corpo? Por razão nenhuma em especial. Apenas porque, às vezes, nada disto faz sentido. A dor não faz sentido. Ela tem sempre um motivo – sempre –; pode ser razoável ou não, não importa. Mas e se o motivo está lá e a dor não? Se não houver sofrimento algum quando, sim, devia haver? Se em troca existe o vazio da indiferença, do não querer saber, do deixar levar pela vida e ela que decida. Quando já nem há lágrimas para derramar, porque já não nos importa. Foi o sofrimento grande demais que, para a dor física o acompanhar, nos conduziu à morte – à morte do sentimento na origem de tudo? Então deixamos de nos importar e simplesmente já não dói.
Não dói partir. Não dói deixar para trás anos e anos de amizades. Não dói esquecer, porque já foi esquecido. Não dói perdoar, porque já foi perdoado. Não dói perder, porque nunca realmente o tive. E na não dor, a indiferença vem como um abraço frio que aconchega a alma até ao dia em que tudo ficar definitivamente para trás e a indiferença se perder também com aqueles que já foram importantes, que já foram especiais, que já foram meus.
Porque, felizmente, não dói.