segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Nocturna sobriedade em gélida solidão

Falta qualquer coisa na noite que cai, no riso do ar gelado que afaga as gargantas como promessas luxuriosas de um amor que está por vir. No frio do luar caiado de branco num céu com cor de carvão, as ilusões são tantas como as estrelas que brilham no tecto negro do mundo, e mais ainda as contamos quando a visão falha fruto do copo que sustemos em parco equilíbrio na mão.
As mentiras não coabitam neste infame segundo que se arrasta como uma hora ao sol pelo derramar da luz nos becos imundos onde afogamos as nossas mágoas um dia atrás do outro.
Neste momento a perdição é um alegre sonho onde o esquecimento é um banho de água quente sobre os ossos enregelados pelos dedos cruéis da vida não-misericordiosa que nos abraça com um sorriso falso a cada amanhecer, como um despertador suave que vai ganhando intensidade com a nossa resistência em aceitar o que está para vir.
A história é sempre longa, mas já foi dito e sobredito que o final, meus amigos, é sempre o mesmo, e não importa que o sol brilhe tanto que cegue, a noite vem sempre cobrar pelos pecados adiados e a cobrança é ferro em brasa sobre a pele, até que os moribundos se atirem ao chão e chorem as desgraças e os males de que foram vítimas e culpados em virtude do único crime que foi terem nascido humanos.
Este é o século do declínio, e a descida faz-se num caminho ascendente, porque os sentidos vivem deturpados por imaginações infantis e ingénuas e pelos delírios vendidos de que se pode comprar a felicidade e apagar os erros fatais que em tempos idos condenavam o infame a uma ida directa para o inferno. A coberto da noite, os sussurros são brandos e sob a longas capas dos pecadores se transacciona as drogas que vão pôr o mundo a sorrir durante o dia, seja uma agulha bem destilada, uma nota verde de inveja e vermelha de sangue, ou um encontro clandestino nas traseiras do bar do ócio e da paixão, quando os desejos são carnais e o espírito é uma palavra que só filósofos e religiosos usam, que a alma essa já derreteu e se arrasta aos nossas pés como uma sombra tão substancial como um fantasma preso à terra.
Na loucura encontramos o berço que nos aquece sobre a chuva gelada que nos ensopa a ambição e disfarça as lágrimas que de outra forma só cairiam no canto escuro do quarto mal iluminado onde a solidão pesa demais e nos pressiona até que as vísceras se sintam tentadas a fluir pelos poros, deixando um corpo seco e vazio de vontade, que a liberdade foi aprisionada pelos pesadelos que a humanidade injectou no nosso cérebro desde tenra idade.
Vencer, vencem os heróis dos contos de fadas, onde a imortalidade é tão banal como o amor eterno, mas sabemos nós com quantos problemas esta imunda e imoral sociedade se depararia se a morte tirasse umas férias e pudéssemos sonhar com um certo e seguro para sempre.
E o que falta esta noite é o calor de um outro corpo, um beijo nos lábios e palavras doces que murmurariam às minhas mãos para sossegarem esta euforia maníaca que as pôs a comando de uma consciência tortuosa que se perde em vocabulários tão fundos que a luz da verdade é tão real e próxima como a da lua. Mas o silêncio é vibrante e ensurdecedor, e a realidade grita lá fora por uma voz para cantar as suas mágoas, e não importa que o que diga não faça sentido aos ouvidos do homem, há sempre alguém que encontra algo de si somente de olhar para as letras esquizofrénicas que alguém atirou para aqui. E isso é tudo o que importa.

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