quinta-feira, 10 de março de 2011

Ópio

Deixa-te caminhar para esse delírio ardente que são as ilusões de uma vida a três: eu, tu e o mundo condensado, desfeito em pó, soprado nos nossos olhos até nos cegarmos com as cores da paixão, negro e carmim; sangue é vida. E a vida é assim.
Sente como o coração bate célere, como se perseguisse o último comboio para a terra da perfeição, tão forte e seguro, mas tão desesperado e assustado, ainda assim tão cheio de esperança que quase rebenta, gritando uma batida atrás da outra, no ritmo frenético de uma ataque cardíaco.
As pálpebras tremem e a visão desfoca; estas cores são mais belas. As lágrimas brotam num sorriso louco, enquanto as letras se misturam e o amor e o ódio fundem-se numa palavra apenas; quando nada faz sentido é que tudo tem sentido. A realidade não importa; não importa saber se é mesmo a realidade. Sonhamos que somos uma flor, ou somos uma flor a sonhar que é humana? As flores não sonham, diz-se. Mas só o saberíamos se fossemos flores...
As mão tremem e o verão e o inverno começam a sua disputa arrojada nas veias e artérias do nosso corpo, como o bem e o mal das história para crianças. Carregamo-los a ambos dentro de nós, o puro e o impuro, o sangue que cura e o que envenena; vida e morte num ciclo intermitente dentro de nós. Vermelho e azul, como calor e frio, como esses suores que se alternam, vestir e despir, arder e congelar, fazer amor e definhar na solidão.
E quando o mundo inteiro torna o nosso corpo o campo de batalha para a sua guerra, estamos em posição para erguer a bandeira branca e partir em busca do nosso próprio delírio. Fazer as estrelas brilharem de dia e o sol de noite, inverter os pólos e pagar em pedras o ouro; riscar todas as palavras do dicionário e inventar uma nova linguagem; fechar os olhos para acordar e abri-los para dormir. Rir dos nossos próprios medos. É tão fácil esquecer o que nos dói quando rimos... É tão fácil esquecer que um dia tudo isto vai acabar.
E então vibramos na insanidade de segurar as nossas vidas nas mãos por uns momentos, olhar o mundo de frente com desdém e desafio, como se o pudéssemos obrigar a reagir, a mudar de atitude. Como se ele ainda pudesse aprender alguma coisa senão a forma mais rápida de levar alguém às lágrimas.
E nisto apagamos. As trevas caem sobre esta febril visão ensombrada por sorrisos de criança e mãos enrugadas, feridas abertas e folhas queimadas, pedaços de história pelo chão dos anos que passam lento demais para lhes darmos valor, mas rápido demais para os lembrarmos. O coração esmorece como uma flor murcha e o silêncio abafada a sua pulsação envergonhada. A escuridão reina.
A nossa dose de ópio chegou ao fim.

1 comentário:

Rafaela Neves disse...

Um dia tudo isto irá terminar. Acabaremos por fechar os olhos e mergulharmos num sono eterno. Até lá, vamos vivendo e sofrendo a vida. Tens razao é tao facil esquecer o que nos magoa ou que magoamos alguem quando rimos. É tão facil esquecer os nossos problemas. O problema é que eles voltam sempre para nos assombrar