Já sentes a culpa como uma comichão debaixo da pele, puta, e é o toque quente dos lábios anteriores que persiste na tua boca. Ele ainda não te tocou, mas o pecado já é teu. Ele ainda não te fez sua, mas tu já és dele. E esta noite, não vão ser só dois corpos a dividir uma cama. Porque arrastas contigo a densa memória da liberdade para dizer que não.
Esta noite, puta, estás acorrentada às tuas próprias fantasias. Não podes fugir, é inútil teres medo, é estúpido lutar. Sabes que vais acabar por querer dizer que sim. O arrependimento há-de acompanhar-te sempre, mesmo quando caíres de joelhos a gritar de prazer. Não é esta a vida que eu escolhi. Vais querer-te noutra cama, noutros braços, onde pelo menos alimentas a ilusão de exclusiva pertença. Vais remoer a noite toda, puta, e bater de cabeça contra um único e sólido argumento. Tu não és de ninguém.
Não virás chorar nos meus braços, não. Eu avisei-te que jogas um jogo perigoso, e não há como excluir a nossa consciência dos nossos próprios segredos. Ela estará lá para te julgar quando mais ninguém o puder fazer. Não compreendes, puta. Andaste cega durante todo este tempo, e agora que abriste os olhos, estás demasiado acostumada ao mesmo erro para saltar o buraco que se atravessa à tua frente. Pensavas que era o melhor que poderias ter, e então surpreenderam-te. Agora enfrentas a tentação por um sonho que não crês ainda ser real. Mas, puta, reflecte sobre as tuas memórias e verás, na tua cegueira, que está lá tudo o que precisas de saber.
A solução jaz na diferença básica entre um e dois, entre dois e três. Mas sempre precisas que te digam tudo na cara, mesmo que sofras com o estalo da realidade e do tempo perdido a apreendê-la. Tens demasiadas dúvidas e apostas nas cartas erradas. O teu instinto é absolutamente visual, e por isso tão cego. E o teu coração, puta, ele mantêm-se calado, tão fechado e receoso como a tua boca é aberta e obsessiva.
Esta noite, puta, não vais voltar a dormir sozinha. Mas e amanhã, terás outra vez aquele sorriso na cara?